As doenças cerebrovasculares referem-se a um grupo de condições neurológicas que afetam o fluxo sanguíneo e os vasos sanguíneos do cérebro, podendo aparecer em decorrência do estreitamento dos vasos, formação de coágulos, obstrução de artérias ou mesmo ruptura de vasos sanguíneos do cérebro.
Dentre as principais doenças cerebrovasculares, o destaque maior vai para o Acidente Vascular Cerebral, também conhecido como AVC ou derrame cerebral. O AVC se classifica em dois tipos, sendo chamado de AVC isquêmico, quando ocorre a formação de um coágulo ou oclusão (entupimento) de um vaso sanguíneo, correspondendo a 85% dos casos de AVC, e de AVC hemorrágico (15% dos casos), quando ocorre o rompimento de um vaso com extravasamento de sangue no compartimento intracraniano, como, por exemplo, na ruptura de aneurisma levando a uma hemorragia subaracnoide. Em ambas as condições, ocorre a morte de neurônios por falta de oxigenação no cérebro.
Além do AVC, outras condições neurológicas constituem doenças cerebrovasculares, como aneurismas, malformações arteriovenosas (MAV), cavernomas, fístula arteriovenosa e trombose venosa cerebral, por exemplo.
Devido à alta prevalência e por se tratar da segunda causa de morte no Brasil e a principal causa de incapacidade funcional no mundo, vamos abordar especificamente sobre o AVC nesse texto. Estima-se que 1 a cada 4 pessoas no Brasil sofrerá um AVC em algum momento da vida. Ainda assim, é uma doença que tem prevenção para a grande maioria dos casos e o reconhecimento e o tratamento dos fatores de risco é essencial.
Fatores de risco:
Com relação aos principais fatores de risco, iremos dividir em fatores de risco modificáveis e não modificáveis. Os fatores de risco modificáveis são aqueles que podemos evitar ou tratar de modo a prevenir ou reduzir os riscos de se ter um AVC e a prevenção destes constitui um dos pilares do tratamento:
• Fatores de risco não modificáveis: idade > 60 anos, sexo masculino, história familiar de AVC, doenças hereditárias, trombofilias (distúrbios da coagulação do sangue).
• Fatores de risco modificáveis: Hipertensão, Diabetes, Dislipidemia (colesterol alto), obesidade, tabagismo, etilismo, sedentarismo, arritmias cardíacas.
Apresentação clínica:
O quadro clínico do AVC se caracteriza pela manifestação súbita de um sintoma neurológico, isto é, o paciente está bem e inicia uma alteração. Sua apresentação é bastante extensa e depende da área do cérebro que foi afetada, podendo incluir:
• Fraqueza de um lado do corpo;
• Dormência ou alteração de sensibilidade de um lado do corpo;
• Fala arrastada ou de difícil compreensão (disartria);
• Dificuldade para conseguir falar, se expressar ou obedecer a comandos (afasia);
• Alteração da visão (um campo da visão fica alterado ou mesmo perde a visão);
• Tontura e desequilíbrio;
• Alteração da coordenação (dificuldade em se manter em pé ou pegar objetos);
• Dor de cabeça de início repentino e de forte intensidade;
• Crises convulsivas;
• Boca desviada ou paralisia de um lado do rosto;
• Alteração do nível de consciência (sonolência ou coma, por exemplo).
Apesar da apresentação clínica poder ser bastante extensa, é fundamental o rápido reconhecimento desta condição, pois quanto mais precoce o tratamento, melhores as chances em tentar reduzir sequelas, afinal, tempo é cérebro. Uma forma prática para ajudar a reconhecer um AVC é através do mnemônico SAMU:
• Sorria – peça para a pessoa sorrir e tente identificar se a boca ou rosto estão tortos;
• Abraço – peça para a pessoa levantar os braços como se fosse abraçar e tente identificar se algum lado está mais fraco ou pesado;
• Música / Mensagem – peça para a pessoa cantar ou falar uma frase e observe se o som sai normal ou embolado;
• Urgente – busque por ajuda com urgência. Lembrar do SAMU 192.
O AVC é uma condição que sempre exigirá internação na fase aguda (primeiras 48 horas), pois trata-se de uma emergência médica. Por vezes, ocorre o que chamamos de AIT ou Ataque Isquêmico Transitório, que consiste em sintomas típicos do AVC, mas com reversão em um período curto, em até 24 horas (chamado comumente de “princípio de AVC’). Apesar disso, consiste em um risco elevado ou um aviso do risco de se ter um AVC em poucos dias. Em qualquer uma dessas condições, é importante iniciar a investigação de possíveis causas.
Causas:
Dentre as principais causas para AVC hemorrágico, destacam-se: Hipertensão arterial (principal causa), angiopatia amiloide (doença que acompanha idade mais avançada e que enfraquece os vasos do cérebro), etilismo, distúrbios da coagulação, presença de aneurismas ou malformações arteriovenosas por exemplo.
Com relação às principais causas do AVC isquêmico, destacam-se três principalmente:
1 – Cardioembolia (30-35% dos casos): ocorre quando há formação de um trombo no coração e esse se desprende e vai parar em um vaso do cérebro. Geralmente, isso acontece em virtude de alguma arritmia cardíaca, problema nas valvas do coração ou na insuficiência cardíaca grave (coração fraco).
2 – Aterosclerose (20% dos casos): ocorre deposição progressiva de placas de gordura em artérias do pescoço e/ou do cérebro, levando ao seu estreitamento ou entupimento total, impedindo que o sangue chegue a determinada área do cérebro irrigada por esse vaso.
3 – Doença de pequenos vasos (20% dos casos): as pequenas artérias do cérebro sofrem um processo inflamatório que deixa as paredes dos vasos espessadas, podendo oclui-las, causando um AVC. Tem forte relação com tabagismo, diabetes e hipertensão arterial.
Existem outras causas para AVC isquêmico, como doenças infecciosas, doenças inflamatórias, trombofilias e dissecção arterial, mas nem sempre será possível determinar a causa do AVC.
Tratamento:
Após a suspeita clínica de AVC, o paciente deve ser levado a um centro especializado, preferencialmente onde haja suporte com avaliação neurológica e tomografia computadorizada para distinguir o tipo de AVC (isquêmico ou hemorrágico).
Em todos os casos, o primeiro passo consistirá na estabilização clínica e monitorização do paciente em relação à oxigenação adequada, níveis pressóricos alvo, glicemia capilar e necessidade de suporte ventilatório, além de controle de complicações como crises convulsivas. Logo, trata-se de uma emergência médica e seu manejo inicial deve ser feito em ambiente de terapia intensiva ou unidade de AVC (centros especializados). O objetivo do tratamento deve ser o de manter ou restabelecer o fluxo sanguíneo e o fornecimento de oxigênio para o cérebro o mais breve possível, evitando a morte de mais neurônios.
No caso do AVC hemorrágico, o controle pressórico adequado é um dos pontos cruciais, já que costuma ser a principal causa. Por vezes, há indicação de cirurgia para descompressão, quando se trata de um sangramento extenso ou profundo ou mesmo quando ocorre deterioração clínica do paciente, dentre outras complicações como hidrocefalia por exemplo. Quando a causa do AVC hemorrágico é por ruptura de aneurisma, a avaliação para correção deste aneurisma se faz necessária.
O tratamento do AVC isquêmico objetiva, quando possível e em tempo hábil, desobstruir a artéria que causou o AVC. Isto pode ser feito através de um medicamento chamado trombolítico que ajuda a dissolver o trombo, mas só pode ser aplicado, via de regra, nas primeiras 4 horas e 30 minutos do início dos sintomas, com base na última vez em que o paciente foi visto bem. Ou seja, reforça a importância da pronta identificação dos sintomas para então iniciar o tratamento adequado o quanto antes. A outra alternativa de tratamento seria através da trombectomia mecânica que consiste no cateterismo de uma artéria maior entupida com o emprego de um dispositivo apropriado para desobstruir mecanicamente ou aspirar o trombo causador do AVC. Infelizmente, esta última ainda é uma realidade pouco disponível no país até o momento.
Passada a fase do atendimento inicial, a reabilitação neurológica através do acompanhamento multidisciplinar com fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional deve ser iniciada o mais precocemente possível e pelo maior tempo possível (dependendo da avaliação médica), visando prevenir ou minimizar as sequelas.
As sequelas decorrentes do AVC variam bastante e geralmente estão associadas aos sintomas apresentados inicialmente, podendo variar a depender da localização (área afetada), complicações do AVC durante a internação, o tipo de AVC (o isquêmico costuma deixar mais sequelas), a extensão do AVC, idade (mais velhos tendem a ficar com mais sequelas) e intensidade com que a terapia de reabilitação foi feita, por exemplo. Dentre as sequelas mais comumente encontradas em pacientes após AVC, destacam-se: persistência da fraqueza dos membros, espasticidade (rigidez) dos membros no lado fraco, alterações na fala (dificuldade em articular palavras) e na linguagem (dificuldade em se expressar ou compreender ou mesmo de achar palavras), distúrbios de deglutição, dor após AVC, persistência de dormência ou formigamento no lado acometido, dificuldade para andar ou manter equilíbrio, prejuízo da memória, apatia, dentre outros.
Como estamos falando de uma doença muito séria, com elevada mortalidade e alto potencial para causar sequelas incapacitantes, a melhor forma de tratamento ainda é a prevenção dos fatores de risco modificáveis, o que pode ser assegurado através de um acompanhamento médico de rotina.
Se presenciar alguém com algum sintoma sugestivo de AVC, não perca tempo. Procure auxílio médico com urgência. E lembre-se: trate os fatores de risco. Previna-se!